IGREJA DO ROSÁRIO e O SOLAR DOS NEVES - SÃO JOÃO DEL REI - MG

 Sem dúvidas este é um dos meus contos favoritos – e ambiciosos – que pude escrever. Foi uma quebra de paradigmas utilizar a incoerência do texto para compô-lo. A presença do meu primeiro poema, “Pureza”, nele , o deixa mais especial.  Até hoje ele me perturba e me deixa entorpecido. O amo!

06/07/2009


(…)

Os turbilhões de pessoas passavam por nós com suas pressas, dores, amores e cores expressos no olhar. Sentados na calçada da velha igreja em um silêncio mórbido em que cada um tentava ouvir seu próprio pensamento, ouvir a voz da razão; a luz divina. Tínhamos um óbvio medo de ouvir a voz do coração, sabíamos o que ela diria, sabíamos o que ela causaria. É… Nós sabíamos.
Uma mulher, uma dessas peruas puritanas, passou por nós nos dando “Bom Dia”, com certeza confessaria os pecados do mês, iria apertar a tecla “restart” e ter sua cota de pecados zerada novamente. Não precisei olhar para Franz pra saber que ele olhava pra mim, nem precisei olhar nos olhos dele para saber o que ele queria me dizer com seus olhos chorosos.
– Isto não está certo. – que voz irritante a dele!
– O que você quer que eu faça? – Me virei com os olhos cheios de ira, assim como a minha voz. Inconscientemente comecei a calcular se eu demonstrara demais a minha irritação, se ter agido assim o afastaria novamente.
– Você sabe o que temos de fazer…
– E você sabe que eu não posso fazer isso. Não aqui.
– Ele é seu tio, mas antes disso é um padre. Não vai poder comentar com ninguém o que você falou pra ele.
– Sim, disso eu sei. No entanto, ele vai ficar no meu pé, vai achar vários meios de empregar sua fé em mim.
– Você fala como se não fosse católico.
– Não começa de novo…
Ele se calou. Eu ponderei se deveria ou não falar do medo que eu sentia: o medo da conseqüência de ir me confessar naquela igreja estúpida – ainda bem que ele não ouve meus pensamentos!
Voltei por um segundo a observar as pessoas, tentei trazer de dentro de mim a voz despreocupada, tentei formular uma frase que não expressasse medo, nem tanta preocupação.
– E você sabe que isso vai nos afastar.
– O que é bom.
IDIOTA! Minha cólera de raiva estava esmagando meu estômago. Precisei de um segundo segurando a respiração para conter um grito; precisei limpar o canto dos olhos pra não demonstrar a ele minhas lágrimas.
– Se é o que você quer, porque ainda está aqui? Por que não evita me ver? Por que ainda me procura?
– Você semeou o pecado em mim. Não consigo me afastar de você. Estou tentando arrancar este mal pela raiz, mas não consigo.
Chega! Só me faltava essa para minha paciência ir pro espaço. Levantei-me e nem olhei para a cara dele. Peguei minha mochila e comecei a andar junto às pessoas. Foi como entrar num rio e ser levado pelo fluxo da água quando estamos tentando ir para o lado contrário à correnteza. Foi fácil citar esse exemplo. Nos últimos dias os meus pensamentos e eu travávamos esta luta sem fim.
Como pude me apaixonar por alguém tão idiota? Tão imbecil a ponto de por a culpa apenas em mim de algo que ele ajudou a começar. Nada teria acontecido se ele não tivesse me olhado daquele jeito. Nada teria acontecido se ele não tivesse vindo quando o chamei para o jardim dos fundos. Nada teria acontecido se quando o abracei ele tivesse me empurrado e não me dado aquele beijo ardente.
Ele ainda acha que eu sou um demônio que está tentando ele! É isso que ele quer dizer sempre! Por isso que quer sempre que eu vá àquela maldita igreja, por isso que quer que eu me confesse. Eu queria que ele, a fé e os dogmas dele junto com aquela igreja fossem todos pro inferno!

As mãos dele seguraram a manga da minha farda e me puxaram para o beco de onde ele tinha emergido.
– Não foge assim de mim!
Ele olhava pra mim com os olhos temerosos, um pouco inchados. – Será que ele andou chorando? – Com brutalidade me arrastou pela parede do pequeno prédio e me imprensou no espaço entre umas vigas. Ali estávamos escondidos. Se alguém olhasse para o beco veria apenas algumas partes do meu corpo tateando e se esfregando ao corpo dele. Ninguém distinguiria o meu rosto, pois estava coberto pelo rosto dele enquanto ele me beijava.
– O que você quer de mim? – Perguntei enquanto cheirava o seu pescoço e o via ofegar de paixão.
– Eu não sei, Luis… Me desculpa por não saber?
É claro que eu o desculpava! O beijei para lhe dizer isso de forma não verbal. Nossas palavras sempre atrapalhavam tudo. No silêncio, na entrega nós éramos plenos e vivíamos a harmonia do ritmo dos nossos corações, apenas no silêncio.
– Vamos, ou alguém vai nos ver… – ele se afastou.
– Não dá pra ver!
– Claro que dá pra nos ver.
– Não dá pra ver quem você está beijando, Franz.
– Mesmo assim, vai que alguém percebe que você é…
– Que eu sou homem!
Empurrei o corpo dele e andei pelo beco saindo em outra rua, onde não havia um fluxo tão grande de pessoas como a outra. Ele me seguiu novamente, correu até me alcançar e andar do meu lado.
– Vai mais devagar…
– Tenho que colocar minha raiva pra fora de algum jeito.
– E andar ajuda?
– Ajuda… Já que não posso te bater, ajuda.
– Por que não pode me bater? – disse ele com seu ar de brincalhão, achando graça das minhas atitudes.
– Porque não quero aumentar a minha lista de pecados.
Enquanto abria porta da biblioteca e entrei, fiz questão de olhar para o rosto dele e ver as feições divertidas e luminosas se tornarem sérias e obscuras.
– Por que você sempre tem de fazer isso, hein?
– Não sei… Acho que é porque você sempre começa.
– Droga! Você sabe que se alguém nos vir juntos daquele jeito é o fim.
– Também sei que confessar isso ao meu tio vai dar no mesmo.
– Mas ao menos é uma maneira menos dolorosa e digna de um cristão.
– Vai se ferrar! Se você quer que isso acabe mesmo basta não olhar nunca mais pra minha cara.
– Shhhhhh! – a bibliotecária odiava quando íamos á biblioteca. Nunca fazíamos silêncio. Sempre discutíamos. Se não fosse por nós era por conta de algum texto, de alguma discordância, mas sempre saíamos, ou entrávamos ali brigados.
Procuramos uma sessão desabitada. Já sabíamos que a parte de guias turísticos estava sempre vazia. Ninguém iria ler aquelas antiguidades! Assim como as sessões de peças de teatro, magia, esoterismo e outras sessões que nunca olhamos de que eram realmente.
Achamos uma dessas e sentamos um do lado do outro. Ambos em silêncio e de caras emburradas. Depois de um tempo olhando a poeira nos livros, ele segurou a minha mão e começou a acariciá-la.
– Quando a gente vai parar de discutir?
– Quando nos separarmos. Seja porque meu tio me mandou pra China após eu terminar minha confissão, ou Dona Maria da padaria ter nos vistos no beco, reconhecido meu braço e dito aos sete ventos que nos viu juntos – amei dizer isso, a velocidade da resposta e meus olhos vazios só ajudaram a tocar mais fundo na ferida dele.
– Está vendo? – ele tirou a mão quente da minha – Você sempre tem que falar algo assim.
– E o que mais eu vou falar?
– Que me ama, que me quer, que me deseja – ele sorria pra mim com a cabeça pendida para o lado, os seus olhos buscando os meus.
– Pra que? Pra você quando chegar em casa pedir à Nossa Senhora do Livro Empoeirado pra afastar de você o demônio tentador que eu sou.
– Luis! Quer parar com isso? Já está ficando chato e repetitivo você falar essas coisas. Eu não acho isso de você.
– Mas age como se achasse! Você nega, mas sabe que é verdade.
Ele se calou, cumprindo o velho ditado. Vendo a tentativa dele em achar uma desculpa agarrei-o. Ele me rodeou com seus braços, fiquei ali esfregando meu rosto no peito dele. Alguns segundos depois estávamos nos amando novamente com a mesma paixão, mesmo desejo que nos tomou no nosso segundo encontro…

(…)

A igreja estava lotada, parecia que toda cidade estava ali. Era o que acontecia quando uma pessoa muito querida morria: o velório era cheio de gente, o enterro ainda mais. Tenho de admitir que eu não respeitei nenhum pouco a morte do meu avô. Apena senti necessidade de mergulhar no corpo do garoto dos olhos de âmbar – não havíamos trocado os nomes –, necessitava beijar a boca dele de novo.
Quando o vi agarrado de mãos dadas com aquela garota linda, com o vestido mais belo e o sorriso mais encantador daquela cidade, eu me vi tomado pela primeira cólera de raiva. Fiz questão de mostrar a ele que o vira e que percebera a aliança dele fazendo par com a aliança dela. Fui ao banheiro dos fundos da igreja, lavar o meu rosto e tentar tirar aquela cena da cabeça. Assim que fechei a porta do banheiro, ela se abriu novamente e ele entrou. Trancou a porta para que ninguém mais entrasse, me agarrou e sem dizer nenhuma palavra e transou comigo no banheiro da igreja.

(…)

– Como vai Amelie? – ele abotoava a calça e tentava se recuperar do prazer extremo que acabara de sentir.
– Vai bem.
– Vocês tem se curtido muito? – eu ainda estava ao chão.
– Nem tanto quanto antes.
– Você consegue fazer amor com ela como faz comigo?
– Luis… Depois não venha dizer que sou eu quem puxa os assuntos chatos.
– Desculpe… Apenas quis saber como está a pessoa que tem seu coração.
– Ela não tem.
– Não? Então porque vai casar com ela? Uma pessoa só fica noiva da outra quando ama.
– Você também tinha uma noiva!
– Exato! Tinha! Não tenho mais porque não a amo… Mas você…
– Eu, o quê?!
Ele se calou, apenas ficou olhando para mim. Voltei a colocar a minha camisa por dentro da calça.
– Não espera que eu seja o seu amante, não é? – tornei a falar.
– Sinceramente… Não espero, não. Eu sei que vai.
– Deus me livre, Com Amelie até que eu seria. Mas sei que falta pouco pra você decidir virar padre e se casar com Jesus. E com ele eu não brinco.
– Vá se ferrar – ele começou a gargalhar em silêncio.
– Posso ser o padrinho do casamento?
– Luis, se esse assunto incomoda alguém, esse alguém é você, que morre de ciúmes de mim.
– Ora querido, não esqueça que eu ainda sou solteiro.
– E você não esqueça que é a minha única diversão…

Um bloco de gelo me cobriu por inteiro. Não lembro bem o que eu estava fazendo, a palavra “diversão” tomou a minha mente completamente. Acho que meu cérebro inteiro se preocupou com a palavra ecoando em meus ouvidos, pois meu corpo ficou petrificado e até esquecer de respirar, eu esqueci.
A grande sorte é que ele percebeu a merda que fez e logo tentou corrigi-la.
– Não foi bem isso que eu quis dizer.
– Mas como sempre foi o que disse – eu retruquei
– Desculpas. Mas… Ah! Quer saber… Não venha dar uma de santo. Você fala coisas bem piores!
– Pior que dizer que isso é apenas diversão? Nossa! Acho que estou com amnésia, pode lembrar algo que eu tenha falado pior que isso?
(…)
Não havia…

(…)

Diversão. Quando o São João chegou, para toda cidade nós já éramos os mais fiéis amigos. Nossas famílias adoravam a nossa camaradagem e a responsabilidade que esbanjávamos. Assim como obviamente não desconfiavam nem um pouco de nossa relação.
Relação complicada, indefinida, de momentos intensos, de pequenos momentos, de tempos em tempos. Uma relação estranha. Acima disso, de algum modo nós dois evitávamos lembrar a existência das noivas e posteriormente das mulheres galanteadas.
Eu há alguns dias tentei acabar o noivado da maneira que me cabia: desfazer o pedido. Nem meu sogro, nem meu pai e muito menos Ligia gostaram da idéia. Pediram-me uma razão. Na ponta da língua veio a resposta: “estou apaixonado pelo meu melhor amigo”. Mas apenas saiu alguma frase que dizia que eu queria me divertir, vagabundear e não me prender a um casamento.
Acho que ter dito sobre estar apaixonado por Franz traria menos conseqüências do que ter dito aquilo. A boa reputação que eu tinha diante dos meus sogros foi por água abaixo. Para eles sua filha seria entregue nas mãos de um homem de vida desonrosa e profana. O que foi suficiente para o fim do noivado.
O bom da situação é que todos me aproximaram ainda mais de Franz. Para eles Franz me levaria à salvação, me tiraria da suposta vida de putaria, me faria alguém melhor, seria o meu Cristo Salvador.
Aparentemente foi. No entanto, enquanto para nossas famílias e noiva dele nós estávamos jogando longe das festas juninas e qualquer coisa relacionada a vagabundos e mulheres, nós estávamos em algum motel de uma cidade distante nos curtindo.

(…)

– Pra onde você vai? – ele como sempre me seguindo.
– Cansei… Vou voltar para minha antiga cidade – e eu com minha pressa.
– Como assim?
Ele segurou meu braço antes que eu abrisse a porta do meu carro e ficou entre mim e a porta. Me livrei das amarras que eram as mãos dele e retruquei sem olhar nos seus olhos.
– Eu vou embora, Franz. Vou voltar pra o lugar de onde nunca deveria ter saído – isso era uma verdade. Se meu avô não tivesse morrido, meu pai não teria vindo morar aqui e eu nunca conheceria ele.
– Você não pode decidir as coisas assim!
– E como eu vou decidir? Quem vai decidir? E outra… Eu não quero ser apenas uma diversão quando estou levando as coisas à sério.
– Luis… Se você fosse uma diversão nós não estaríamos juntos há três anos.
– Não me venha com essa! – Fazia mesmo todo esse tempo? – O pior é que agora tudo faz sentido…
– Do que você está falando? – eu tentava virar a cara pra o outro lado, mas ele me puxava pra encará-lo.
– Você nunca reparou, não foi?
– Não reparei no que?
– Que nesses malditos três anos, você nunca me disse o que sentia por mim.
– E preciso? Eu estou com você não estou?
– Bem… Você exige isso de mim quase todos os dias! Mas nunca disse nada… Nem um “eu te adoro” que seja.
– E você vai embora por isso? Por eu nunca ter sido meloso? Meu Deus! Quanto drama! Está pior que mulher rejeitada.
– Vai se ferrar, Franz! É claro que não vou embora por isso. Mas é que eu cansei… Cansei!
– Do que você cansou? – ele me empurrava todas as vezes que eu tentava entrar no carro – Está cansado de mim? Me responde, Luis. Cansou de mim?
Eu apenas queria entrar naquele carro, ou me abraçar a ele e beijá-lo. Mas ele não me deixava entrar no carro e os olhos que nos cercavam naquela rua não me deixavam agir por impulso.
– É! Cansei de você! Cansei do teu jeito puritano de ser, cansei de ser um de seus brinquedos, cansei das discussões, das coisas que você diz, cansei de ser o demônio vindo dos infernos pra te atazanar, cansei… Cansei… Cansei dessa cidade e todas as coisas que ela me faz passar. Cansei da Amelie, do meu pai e seus… – eu olhei para o rosto dele e não pude acreditar – Por que você está chorando?
– Por que você faz isso comigo?
– Franz, eu… – um pouco perdido nas minhas próprias palavras e pensamentos, eu apenas queria abraçá-lo e fazer com que as lágrimas desaparecessem – Entra no carro!
Ele me atendeu, entrando no carro.
Dirigi tão rápido que em poucos minutos chegamos na estrada de barro, estacionei o carro perto de uma árvore e ainda em silêncio caminhamos até a cachoeira. Sentamos perto da queda d’água, e nos encaramos. Ele ainda estava com os olhos chorosos e eu com uma culpa imensa nos ombros.
– Por isso que vou embora! Porque dá pra ver que eu não estou te fazendo bem. Dá pra ver que você se culpa e se flagela aí dentro por estar comigo.
– Eu não faço isso.
– Não? Então porque queria essa manhã se confessar e disse estar se achando impuro? E porque sempre quando algo te lembra a igreja, a bíblia, seja o que for, você fica mal e esfria comigo? Porque sempre que eu tento falar o que eu sinto, ou demonstro de alguma forma, você me evita? Porque tem nojo e repulsa de tudo que se refere a nós? Será que não repara que a gente só vê que se ama quando a gente briga e faz as pazes?
– É complicado pra mim estar com um homem.
– Nossa… Pra mim é muito fácil. Ter que me segurar todas as vezes que saio contigo. Ter que aguentar todas as vezes que te vejo sair com sua noiva e ficar me corroendo por saber que você está com ela e que é com ela que você vai casar.
– Mas você pode ficar com quem quiser!
– Contra minha vontade? Eu quero apenas estar com você. Sou louco por você desde a primeira vez que te vi! Não sinto vontade nem desejo de ficar com ninguém, apenas você. Mas você não sabe o que quer. Me evita, me repudia, depois volta pra mim, joga a merda da sua fé na minha cara. Me deixa na dúvida se esse sentimento tão puro que pulsa em mim é uma benção ou uma maldição.
– É uma maldição… Você sabe que é… Um homem nasceu para ficar com uma mulher…

A primeira vez que usei da minha força em alguma coisa, quebrei o meu braço. O que me fez ficar com uma espécie de trauma. Todavia, este trauma foi superado naquele instante. Pois com toda força que eu tinha eu soquei o rosto perfeito de Franz, fazendo ele cair no chão.
Ele quando se levantou revidou o soco com a mesma intensidade que eu, mas eu não cai, reuni mais força para bater nele e nessa troca de murros e chutes nós caímos no chão numa luta desbravadora.

(…)

A primeira vez que eu tentei demonstrar a Franz o que eu sentia por ele, foi quando completamos um mês de caso. Já que no dia que nos conhecemos foi o primeiro dia de nosso romance. Fiz um poema todo estruturado nas nossas sensações, das poucas vezes que nos víamos e do fogo da paixão que sentíamos ao nos tocar.
Quando ele leu aquilo passamos duas semanas sem nos ver. Encontramos-nos novamente porque eu o percebi escondendo-se de mim. A explicação que ele deu foi a mais sincera possível. Ele achou o texto demoníaco e que o que acontecera e se repetira não poderia voltar a acontecer. Ele era um homem e deveria formar uma família e não cair em tentações nos braços de outro homem. Quando a noite caiu, ele me abordou no meio da rua e me levou para um quarto que ele alugara e mais uma vez o poema se fez real.

(…)

– SEU MISERÁVEL! NÃO PODE ME DEIXAR AQUI!
Os gritos dele só faziam a adrenalina pulsar com mais velocidade nas minhas veias e me causar gargalhadas incontroláveis. Deixei-o lá, para que caminhasse por quase uma hora para encontrar um pé de pessoa.
Quando cheguei em casa, busquei arrumar as minhas coisas o mais rápido possível. Minha mãe veio da cozinha atônita e assustada com o barulho que eu fiz. Quando me viu sujo de terra e sangue e com algumas partes da roupa rasgada ela deu um grito agudo.
– O que foi isso, menino?
– Nada demais mãe, só uma briga saudável.
– Nenhuma briga é saudável!
– Fale isso pra os leões da floresta.
– E pra que essas roupas todas?
– Estou indo embora?
– Vai viajar?
– Não… Vou pra bem longe daqui, mãe. Pra onde nada que esteja ligado a essa maldita cidade e seus moradores miseráveis possam me encontrar.
– Olhe essa boca dentro de casa menino! Eu não vou deixar você sair desta casa! Vou chamar seu pai e…
– Mãe… Nada vai me impedir. Eu morro mas não fico nesta cidade. Então por favor, não me faça ser grosso ainda mais com a senhora, nem ter de passar por cima do meu amor para obrigá-la a me deixar ir… Apenas me deixe.
Minha mãe me olhou assustada, mas soube naquele instante que nada mesmo iria me impedir. Pegou uma camiseta no chão, dobrou-a com o mesmo carinho que sempre dobrava e colocou-a na maleta em silencio.
Quando coloquei a última maleta no porta-malas avistei de longe o semblante de Franz. Ele vinha na mesma direção em que eu me encontrava. Estava ainda sujo, assim como eu, só que um pouco mais suado e aparentava ter corrido bastante.
– Eu não quero brigar com você. – me adiantei.
– Eu não vim aqui para brigar. Apenas pra te entregar isto.
Uma folha de papel, suada, com sangue e suja de barro, amassada e desamassada. Eu peguei aquilo com receio. Não fazia mínima idéia do que significava.
– Por favor, não leia agora. Espere estar fora da cidade.
– Por que?
– Você saberá.
– Você sabe que isso me fará ler antes.
– Eu não sei de mais nada. Só que eu sei o que eu quero agora. Está ai escrito.
– Então se eu devo ler quando estiver fora da cidade é porque…
– Apenas leia.
Ele deu as costas e se foi. Eu entrei no carro e parti. Na velocidade em que eu dirigia nada, só outro carro, uma parede, ou um poste, poderiam me parar.
Assim que eu cruzei os limites da cidade, passando pela estrada de barro próxima á pequena cachoeira eu abri o papel e freei o carro com o coração à mil por hora.
Em letras garranchadas, mal feitas, borradas algo bem no estilo caipira de Franz eu consegui ler:

“Meu amor é tão puro quanto a água dos montes perdidos.
O que eu sinto por você é mais lindo
Que a aurora do dia fulminante
Dos raios do teu olhar de tempestade.
Sua face para mim poderia ser minha única visão,
Assim como a escuridão é a do cego.

Se todos os anjos do céu forem idênticos a você,
Quero morrer queimado na chama deste amor.
Para purificar-me de meus pecados.
Só para ser eterna, infinita, apaixonada e divinamente
Rodeado por seu rosto.

Se todos os demônios do inferno forem de sua imagem semelhança,
Quero me entregar a Luxúria e ao Desejo que seu toque me despertam.
Para ser eternamente rodeado, abusado e castigado por ti.
E você? Ainda tem duvidas do que seu coração sente pelo meu?”

– Puritano idiota… – eu disse entre lágrimas. Foram tantas as lágrimas que passaram pelo meu rosto que quase não percebi que abaixo da declaração dele havia um pós escrito.

“P.s: Se não estiver cansado de mim, mas de minhas atitudes. E quiser viver tudo que nossa maldita benção tem pra nos oferece, me espera?”

A única coisa que lembro ter dito a ele antes de nos beijarmos e mergulharmos na cachoeira, pra lavar nossos corpos e almas antes de fugirmos para o mundo afora, foi:
– Vou te esperar, perseguir e amar por toda vida… Essa é minha bendita maldição.


Luan Silva