Imagem[Imagem: “Rose”, da série “Blood” de Mark Ryden.]

Postado no “RLS” dia 03/05/2009


Mesmo sem querer ela se levantou. Olhou-se no espelho manchado – nem mesmo conseguia ver seu reflexo direito – e suspirou. Lá estavam as marcas da sua noite anterior. Tentou contra à vontade arrumar os cobertores, veio então a necessidade de ir ao banheiro.

À pequenos passos com as pontas dos pés ela rumou para o cômodo de pequenos azulejos azuis. A cerâmica aos seus pés era fria, gélida e úmida, como estava a sua alma àquela hora da tarde.

– Quanto tempo eu dormi? – ela questionou a si mesma. Presumira que o bastante para o sol chegar ao ápice. Viu no chão os pedaços de papel higiênico sujos com seu próprio sangue, a embalagem do calmante sem nenhum comprimido que fosse.

Ela precisava descansar, precisava não sentir aquelas dores no seu corpo e espírito, para não falar do orgulho. – Quem ele pensava que era? – ela sentiu ódio de si, ao saber em seu ínfimo que tinha a resposta na ponta da língua – Como será que ele estava se sentindo? Será que mais uma vez se arrependeria? Ou por mais uma vez a ignoraria por mais um, dois, ou ainda três finais de semana?

“- Você está livre!” – ele gritou antes de acertar seu corpo caído no chão com mais um chute – “Não era o que você queria? Sua liberdade?! Vai aproveitá-la… Sai daqui!”

A lembrança lhe doía mais que os hematomas. A verdade é que ela não queria ficar livre. Estava presa demais àquela vida. Estava presa àquele ser que havia se tornado. Sua existência se resumia àquele ciclo vicioso de pancadas e brigas.

“Eu não te quero! Estou com ela!” – ele apontou para uma prostituta que com certeza tinha mais dignidade que ela própria. Perguntava-se agora porque ela havia batido tanto na mulher. Mais uma vez a resposta veio na mesma hora: ele quem sentiria a dor, mas não sentiu, e ainda assim revidou.

Ela já não sabia se era a pobre coitada, a vítima, ou a vilã daquela história. Ela não queria saber. Só queria tê-lo para ela própria, mesmo com toda violência, ciúmes e possessividade que há alguns meses desapareceram. Apanhar por isto era gratificante, e até mais prazeroso do que apanhar por motivos minúsculos.

Qual era o limite? Não havia mais limites para ela. Ela própria era limitada. O que era certo e errado? Certo era lutar pelo que se quer, errado é ter que sofrer tanto para isso.

Pôs um pouco de base no rosto, voltou para a sala, sentou-se no sofá. Diante de seus olhos deveria haver uma televisão, mas apenas havia uma estante com um porta-retratos quebrado umas milhares de vezes. Na foto, ela sorrindo como nunca mais sorrira, e ele tão puro e perfeito como nunca mais fora. Qual foi a razão de toda a mudança? A resposta veio à sua mente dilacerando sua alma e fazendo das lágrimas o sangue da mesma. “Ela”