diversidade social

Postado no RLS em 01/09/2011


A riqueza do Português Brasileiro não está apenas nas regras e exceções gramaticais, nas flexibilidades fonéticas ou não de algumas letras ou junções de consoantes. Está na semântica, no sentido das palavras, palavrinhas e palavrões que tem o significado alterado em razão da frase em que foram escaladas.

Um exemplo perfeito é a palavra “marginal”, comumente utilizada como um adjetivo para se referir a delinqüentes, os indivíduos à margem da lei.

“O filho de Fulana agora está de uma vez por todas no tráfico, aquele marginal.”

Quando utilizada como substantivo a palavra se torna um assunto que freqüentemente é discutido em desde rodinhas de amigos em bar até as assembléias do senado. Estamos falando dos marginais. Aqueles seres que vivem à margem da sociedade, negados por ela, suas bases e conceitos.

Os marginais sociais são aqueles que de uma forma ou de outra sofrem preconceito/bullying. Estão vez ou outra com direitos a menos, ou como se tornou costume, com direitos a mais na constituição. São eles: (ainda) as mulheres, com a Lei Maria da Penha, sua delegacia própria e os seguros de automóveis com valores mais baixos dentre outros direitos por ser o “sexo frágil”; negros, com suas cotas para quase tudo e sua associação inconsciente direta à criminalidade; Pessoas com Necessidades Especiais (PNE), sua bela e vitoriosa luta por direitos à acessibilidade e inclusão social; homossexuais… Bem, esses não tem muitos direitos, a não ser os que já tinham, mas não tinham direito de exercer; e muitas outras classes em vários âmbitos sociais, culturais que são diferentes do que é taxado “sociável” e acabam prejudicados por serem o que são.

O mais interessante ao observar a luta dos marginais é que normalmente eles miram suas energias e reivindicações para a justiça, fazendo-a criar leis e decretos que defendam sua existência contra a reprovação de outrem. Todavia todos esquecem que o problema deles e a sociedade é tão antigo quanto ela própria.

Mulheres não são rebaixadas diante dos homens de poucos séculos pra cá. Isso ocorre há pelo menos três milênios atrás, desde quando as sociedades matriarcais e igualitárias foram sendo dizimadas com o advento da sociedade patriarcal e a sublimação do masculino.

Negros não são associados aos primatas desde o período da escravidão para cá. Infelizmente este pensamento ridículo comprova por si só que é antigo. Vindo de mentes fracas e ignorantes que nos períodos dos escravos já eram escassas e mantidas apenas por puro preconceito e completo senso de subjugar a mão de obra fácil e barata.

PNE não são de hoje colocados à margem social, se não exclusos dela completamente, como costumava acontecer até terem seus primeiros direitos reconhecidos. Nas sociedades celtas este tipo de pessoa era dita “amaldiçoada” por ser imperfeita. Portadores de doenças mentais eram associados a demônios pelas religiões judaico-cristãs. Dentre outros fatos.

Homossexuais não são de hoje motivos de gozação. Na era viking, os “ergi”– sacerdotes efeminados – eram constantemente ridicularizados pelos guerreiros “machos” que não concebiam a idéia de um homem ter relações sexuais com outros ou ter um jeito feminino de ser.

Poderia falar dos pobres e sua epopéia na escala monetária social, das religiões que divergem da grande massa religiosa e o seu livro de verdades – que infelizmente dita a grande maioria das regras sociais –, dos professores que não recebem nem metade do que deveriam receber e daqueles presos por leis idiotas que ocupam o lugar dos nossos queridos senhores políticos. Mas diferente destas classes – nas quais me incluo em várias – e suas revoluções dispersas, eu não posso perder o foco e não alertar que o fato de serem excluídos da sociedade ideal não é culpa da justiça que não dá direitos e privilégios para este ou àquele marginal. A culpa está em algo fincado nas bases da cultura geral que cria uma concepção tão forte e inconsciente que cega o marginal. O faz sentir-se diferente a ponto de querer suprir as diferenças que o marginalizam com estas leis absurdas, antes de lutar por uma igualdade que já é um direito de cada um – só não se tem o costume de ter direito a exercer o direito. O faz criar um orgulho com teto de vidro com direito a um dos 365 dias do ano para tentar conscientizar aqueles que estão acomodados com uma inconsciência que os torna superiores. Até ajuda, mas não da maneira direta e gradativa, como se tem que ser.

Acho que estamos vivendo um momento que vai ficar gravado completamente na história da humanidade. Estamos à beira da anarquia, exigindo que a liberdade de ser o que se é prevaleça ante a uma tradição erudita e puritana que não alegra mais ninguém. É o estopim final da quebra dos tabus para alcançarmos, todos, o lugar numa sociedade sem margens. Ainda sonho em ver as mulheres força, autoridade e feminilidade das sociedades antigas vivas nos dias de hoje, PNE deixando de ter necessidades especiais para serem necessidades normais, casais gays indo a lugares públicos sem serem visto como aberrações e negros entrando nas faculdades sem ter sido ajudado por sua cor ou sendo o primeiro suspeito de qualquer ato criminoso. Por enquanto, vou seguindo de olho e vivendo a marginalidade que me impuseram…


Luan Silva