Prawana (8)

Postado no RLS em 21/10/2011


 

E foi na seca de 87 que a Cumáde saiu perambulano pelos terreno do povo todo. Saiu de sua casinha, lôca de pedra, dizeno que era rica, bonita e que tava cheia de orgulho dos papos de doido que cochichava com as pedras e plantas do quintal. Não levô nada na mão, nem uma cumbuca pra mó de bebê água, quano esta lhe faltar no nó da garganta, nem um pedaço de pão duro pra aliviar o estomago, quano esse gemer por comida.

Apenas se danô.

Passou pela casa de Terezinha, dissero que ela assustô os gatos da mulé imitano eles, miano e se esfregano nas toras e paredes do barraco. Quano Seu Jorge, marido de Tereza, foi acudir a mulé – que ficô desmaiada no chão – levô um susto. Ela pulô feito gato de novo e saiu correno assustada.

Andô pelos terrenos de Zé da Tapioca, passô horas e mais horas parada na mesma posição, que nem que eu rezasse o terço mil vezes ficaria tanto tempo. E sempre daquele jeito, pareceno um X no meio das macaxeiras do home. Seu Zé nem chegô perto, vai que a doida arranhasse ele como tentô fazer com os outro.

Ninguém sabe como, mas a mulé conseguiu roubar um cavalo do Cumpáde Daniel e saiu pelas estradas cavalgano nua! Nua, nuinha, mostrano tudo que devia estar coberto pelum pedaço de pano! Os home tentaro segurar ela, mas quem disse? Parecia ta possuída pelo home dos chifre!

Depois, passôsse um tempo que dissero que ela se embrenhô pelo meio das mata e por lá ficou. Dissero até que a coitada tinha morrido envenenada. Até aqueles túmulo de bêra de estrada colocaro no meio da mata pra aliviar o esprito da mulé.

E o tempo passô viu? Passôsse, passôsse…

(…)

Do nada ela reapareceu!

Bonita, toda banhada, vestida que parecia ir pruma festa! Um vestido azul que até eu fiquei com inveja da doida. E o colar de ôro no peito? Nem que derretesse o bebê do Santo Antonio da igreja e fizesse dele um colar igual, ele ia brilhar tanto! Os vizinho mais próximo dissero que a luz da casa dela ficô acesa a noite toda cum ela cantano umas canções meio doida lá. Só era gemido.

Perguntaro onde ela tava que ninguém mais tinha visto, e ela disse que tinha ido ver uns ancestrais dela. Acho que era parente rico, vai saber… Se fosse expricaria o danado do colar. 

De um jeito ou de otro, ela se amanso.

Depois só ouviro o noticiário que ela colocô fogo no milharal da familia mais rica da cidade. Colocô fogo e ficô correno no meio dos milho com dois lençol, um preto e outro vermelho amarrado nos braço. Correno se achano um passarinho. Nem presa a mulé foi! Que dissero que ela saiu no meio do fogo se embrenhano nas matas de novo.

(…)

Mais aí a seca chegô no seu estado crítico. Num tinha água em canto nenhum. Os açude tudo secaro, o povo todo saiu peregrinano pra cidade grande procurano água. A Cumáde foi uma das pouca que fico. O resto foi tudo os véio que os filho deixaro aqui no sertão pra morrer só. 

Quem viu disse que ela saiu andano pelo meio das terras rachada da seca sozinha, nua de novo. Andô, andô, toda estabanada, meio doida, corria desesperada, parecia que tava agonizano pra morrer. Arranhô o rosto com a própria unha, se esfregô no chão, abraçô os pés-de-palma se espinhano neles. Foi uma agonia!

O mais estranho de tudo foi quano dissero que ela chegou onde era o açude maior das terras todinhas daqui. Ela chegô lá, andô aquela imensidão e no meio do açude, onde tinha ainda um restinho de água dissero que ela se olhô e do nada começô a chuver de volta! Até melhor das doidice ela ficô! Voltô a ser a Cumáde que todo mundo conhecia.

Isso até chegar uma época que ela invadiu a prisão e fez “aquilo” com os preso tudinho. Num sei como ela aguentô, mulé! Pra mais de vinte home! Tudo preso há um tempo da bexiga! Sem vê nem sombra de mulé nua na frente deles! Muita corage viu? 

E como era mesmo a danada da palavra? Uma orgia! Foi como dissero os entendido desses assunto feio. Mas isso não é coisa pra uma senhora como eu ta falano. 

Depois a mulé voltô a enlouquecer e tudo recomeçô com ela andano com uns véu preto e uma vela preta na mão pelo quintal sozinha. Cheia de um prazer que ninguém mais no mundo sentiu.

(…)

É… Cumáde era doida, doidinha de pedra, mas sinto que essa doida era mais compreta e mais feliz do mundo! Até os mais rico e cheio de fartura. Pois o brilho nos óio dela num dizia nada além de: eu sô o que sô. 

 


Luan Silva