me sinto oco. havia muita coisa viva em mim, assim como muita coisa morta. mas hoje não há nada.

não adianta buscar por sentimentos bons ou ruins. a culpa de antes, a raiva de outrora, o remorso eterno, a tristeza de lua e os eclipses de felicidade… tudo se foi.

e não é que eu quisesse sumir. mas eu realmente não estava mais ali. eu juntei os cacos das antigas máscaras destroçadas e os usei sobre a alma desnuda.

todos os flashes de momentos que tive e vivi nesses últimos sóis e luas eram decoro de fragmentos. respostas revistas tantas vezes, personagens batidos, arranhões num ótimo disco de vinil.

costumam visualizar a alma como etérea. uma visão translúcida do eu, num azul esbranquiçado, opaco e turvo. mas só quem tem cortes além das armaduras sabe que o sangue que escorre dela é quente como lava e muito mais denso que nossos glóbulos dicotômicos.

e os cacos que restaram das máscaras e as peças que restaram das armaduras pesam toneladas. são afiados, cortantes… lâminas e espetos doem menos se alguem segurar. já a alma é leve, frágil… debandou-se com cortes profundos nas mãos e uma fraqueza em si. pedaços dela ficaram por aqui, ali, aculá, e não sei. outros o vento levou e o tempo tomou.

máscaras destroçadas e alma despedaçada. não sei nomear ou definir o que resta. ecos recortados do que as pessoas pensam de mim? o fio da meada que ninguém decidiu cortar? a dita centelha divina?

estou aqui não estando. não sou filho, irmão, amigo, amor, patrão, empregado, líder, liderado. toda essa pintura, essa trama, que me posiciona, me pressiona, me envelopa, aguarda e me aprisiona, está distante. posso vê-la, como talvez um dia veja a Mona Lisa. distante o bastante pra ser impessoal, perto o suficiente pra sentir o que ela emana.

e há uma involuntária força que me chama para dar vida à tela, e outra que deseja ser um Lautrec e não um Rembrandt. desejo a capacidade de ver minhas vidas como num passeio numa galeria de arte. mirar e admirar cada traço, detalhe, acabamento, textura… ver onde minh’alma melhor caberia. fazer um escambo de telas e poder estar e pertencer a algo de minha escolha.

mas olho ao redor e não vejo nada para mim. nada meu. nada do que eu fui, nada do que serei e muito menos algo que eu seja.

me sinto oco. a alma se foi, o coração não me pertence, as máscaras caíram, a mente entrou em coma e se o que resta é o corpo, ele está entrando em pane.