“Revirou os olhos mais uma vez. E sentiu-se a pior pessoa do mundo. ‘Então era isso que ele sentia…’ pensou.
As pernas ainda estavam entrelaçadas, num nó íntimo, que em poucos segundos se tornou um misto de indiferença e súplica.
– Porra… Eu posso te dar tudo o que você precisa, garanto estar com você em tudo, me submeto a tudo… O que eu preciso fazer pra você acreditar em mim?
Não era (mais) uma questão de descrença. Ou mesmo de crença. Era um fato indubitável. Aquele homem ao seu lado realmente poderia ser um parceiro para a vida. Poderia, sem hipocrisia mental, lhe tirar da merda de vida assalariada, estaria – como já esteve – em momentos difíceis, ajudando inclusive no controle de suas crises de ansiedade e depressivas. Enfim. Racionalmente dizer ‘sim’ é o fluxo que o roteiro de dramédias héteros seguiria.
Mas o que esses filmes normalmente escondem é o desgaste emocional. Claro que ainda há uma fagulha de esperança, claro que a cura para os seus traumas sentimentais chega. Porém, há algo além de todas essas supérfluas superações que ainda persiste.
Quando nos dilaceramos num relacionamento, o processo de reestruturação tem duas principais consequências. Ou você cura a sua idealização de união perfeita e segue em frente tentando se caber nela, mesmo com todos os calos, cicatrizes e dores aparentes, ou não.
Ou então você se cura. Não reúne seus cacos, se livra de todos eles. Manda pra o limbo suas projeções, ilusões, paixões, ambições amorosas e tudo o que por anos moveu sua vida. O check list de viver bem a vida pode faltar tudo, menos o tão desejado e superestimado “amor”. Queima-se o check list.
Optou por se curar. Protegia tanto os sentimentos que imaginava sentir, e gastava tanta energia com isso. Que quando os deixou livre, percebeu que o seu maior medo não eram os sentimentos serem feridos, mas eles serem uma ilusão. E sempre eram. Por culpa alheia, por culpa sua. Enquanto se curava percebeu que poucos sentimentos eram genuínos. Deixar-se vulnerável, fez com que vislumbrasse com exatidão que nas suas crônicas, onde via amores, só existia paixão. E por só saber lidar com o fogo que arde, queima, destrói e consome, ao se deparar com a terra fértil do amor, não soube dosar suas águas. E os brotos de belas sementes se afogaram sem trazer galhos fortes, frutos e flores.
Percebeu que o amor é como as magias elementais. O fogo, a água, a terra e o ar se unem em um. Só que era tarde pra revirar os conceitos mágicos e voltar atrás. Desfazer aquele desperdício de emoções. E principalmente, perceber que estava lidando com alguém que agora se manifestava dentro de si.
– Gosto de ti. E sei que é o suficiente para termos uma boa história juntos. É o suficiente para nós relacionarmos sem essas convenções.
Tentava fugir das palavras que ouviu uma vez e que fez desmoronar seu mundo. Mas agora as compreendia, só não queria repetir. Só não queria causar o mal que lhe foi causado. ‘Puta merda… Agora eu entendo.’
Sem ter o que falar, além das frases prontas. Decidiu respirar. Decidiu desprender-se da pressão, da ansiedade, das memórias, das cicatrizes… Eram as cicatrizes.
– Por uma vez, eu me joguei de cabeça numa relação. Por uma vez, de verdade, eu planejei milimetricamente cada passo que iria seguir. Eu vivi esse sonho até esse exato momento que estamos. E nele eu era você. E recebi exatamente a mesma resposta que estou lhe dando. Na época eu não compreendi. Como talvez você não compreenda. Na época eu busque todos os meus defeitos e culpei todos eles por não ter dado certo. Mas já te digo que a culpa, de verdade, não é sua. Quando me vi em pedaços, pra me recompor tive que escolher entre mim e alguém para amar. Entre me amar, ou viver em função de achar alguém para amar. Escolhi o que me restou: eu. Não dei chances para uma esperança de retorno, ou de superação. Eu não quis superar e nem quis voltar. Eu quis a mim. E ainda estou me querendo. E me querer, agora não dá espaço pra me projetar em nada. Muito menos em uma relação com outra pessoa. Porque para além de todas variáveis entre mim e você. Existem muitas variáveis em mim que estou amando conhecer. E me comprometer a você é silenciar essas variáveis. E hoje, eu sei que não vale a pena por ninguém, você deixar de ser quem é.
– Eu posso aguentar suas variáveis…
– Sei que pode. Mas o problema está em elas não sustentarem você, ou isso que você está propondo.
A garganta estava seca. Tantas teorias psicológicas passavam na sua mente tentando racionalizar quando, como e onde foi que havia se tornado a coisa que mais havia lhe ferido. E como isso não parecia errado, ao mesmo tempo que era.”
– Luan Silva