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III

Filosofias à parte… Não sou uma garçonete, prostituta, ou qualquer dessas mulheres que trabalham de empregos “normais” na pacata vida da literatura contemporânea, e até de um tempo anterior. Pois sim, tenho ciência que sou a criação da mente de algum louco, mas com certeza não de um só. Sou parte de um grupo de idéias do Mundo dos Pensamentos, como diriam alguns esotéricos e místicos. Sou parte do inconsciente coletivo e posso ser vista em várias personagens em incontáveis livros, mas mais que isso… Sou parte de você.

E pare por aí.

Não tente me identificar, ou me esconder, decodificar ou coisa assim. A razão e a lógica dos pensamentos tiram a sublime naturalidade da qual fluo como uma nascente. Sintam-me, sintam a boa sensação que eu sou. Este é o mistério da felicidade.

Humanos têm uma grande facilidade em sentir aquilo que os causa dor, é incrível como alguém que finge estar triste, ou acha estar triste, fica realmente triste. Mas tente fingir estar alegre a uma agonia vai se precipitar diante de você lhe engolindo com melancolias exacerbadas. Quando conseguir, e realmente conseguir, sentir a felicidade, não procurando a causa dela, ou sua finalidade, apenas sorrindo ou chorando, você sentirá a mesma sensação que pular de bung-jump. Ah! Esta é uma história maravilhosa! Vale a pena ser lida, ouvida, ou seja lá como você a sentirá. Mas imagine…

Oito garrafas de vodka, um show de rock, maconha, algumas comidas estranhas e de conserva e uma viagem programada para uma praia deserta.

Paulo foi um dos meus parceiros mais loucos da vida. Digamos que com ele eu vivi toda uma história delinqüente. Desde experimentar o “sucesso” nas ladeiras de Olinda num dos carnavais mais sem noção da vida até este dia.

Ele me ensinou a furtar, roubar, como fazer pequenas traquinagens e malandragens da rua. Apresentou-me às pessoas erradas que em determinadas horas eram as mais certas, enfim… Virei uma garota de rua com todas as suas qualidades, defeitos e fedor.

Diria que ele foi um dos E.C. mais importantes, pois com ele eu cheguei ao fim do poço, a quase entrega completa a uma vida alienada, o que não é absolutamente nada comparado a qualquer coisa.

Sim, era divertido beber um litro de aguardente e fumar todas a cada encruzilhada do Recife Antigo, assim como transar sem camisinha (e quem lembrava dela?) no meio da rua numa madrugada de sábado. Hoje me pergunto qual prazer aquilo me proporcionava. Tudo era tão vazio, tão gelatinoso, pegajoso e úmido que eu podia sentir-me mofada por dentro e cheia de fungos.

Mas voltando… Depois de beber todas no show, nós pegamos a moto e saímos do Armazém 14, no Recife Antigo direto para o pequeno apartamento na Boa Vista que Paulo e seus amigos alugaram para os ensaios da banda de reggae deles. Transamos, dormimos e quando nos acordamos, ainda dopados, bebemos ainda mais e alguém nos chamou para um lugar aí, que juro não lembrar qual o nome. Só sei que era uma praia (ou seria uma cachoeira?) Todos fomos então para lá. A minha mente não conseguia mais pensar em nada. O vazio era tão extenso nela que eu se pensasse ouviria o eco do pensamento.

Vimos um pessoal pulando de bung-jump de cima de um antigo trilho para trem. E nossa! Como aquilo era alto! Algo dentro de mim se revirou no caos profundo e eu sei que nitidamente quis pular lá de cima. Todos tentaram evitar minha subida, mas Paulo como sempre me acompanhou até o último momento.

Subimos até os trilhos e vimos lá de cima toda a mata, a estrada de onde saímos ao longe e aquele imenso verde em movimento que era o rio que cortava a cidade (não me pergunte o nome). Cheguei no grupo e perguntei o que eu deveria fazer para que eles me deixassem pular uma vez. Eles, sóbrios talvez, disseram que pelo meu estado não era legal, era perigoso e que eu poderia morrer. Eu insisti, disse que estava bem e eles colocaram o equipamento em mim.

Eu rezei, para qualquer coisa que garantisse minha vida e pedi que ao pular o desejo de liberdade que eu tanto buscava me tomasse por completa.

Alguém me ouviu.

Saltei ao mesmo tempo em que gritei loucamente, ver aquele verde borrado se aproximar de nós é extremamente assustador e nos faz pensar em tudo que nós vivemos. E realmente vemos aquele filminho de nossa vida. Com a adrenalina o efeito das drogas passou e por um breve momento eu me senti sóbria, viva e completamente livre, mesmo que amarrada.

Não havia som, as cores ao meu redor se mesclavam com o verde dominante e tudo se balançava e saltava. E como se fosse exorcizada senti um peso enorme cair e mergulhar na água, onde se afogou e deixou uma ligeira mancha vermelha na parede verde.

Aquilo foi Paulo e toda a minha versão delinqüente. E eu reencontrei a verdadeira liberdade que move nossas almas, senti a mais profunda sensação de medo, morte e vida. Fora por uma partícula de tempo, mas a adrenalina me matou e me fez renascer ali mesmo. E eu vi a parede verde d’água, que iria destruir minha vida e meu ser, expandi-los na eternidade com aquela sensação única que eu chamei de Deus. Senti o puxão da corda e quando voltei e olhei o cara que me acolheu, o chamei de Estranho Conhecido.