IV
Me visto como uma louca, gosto de cores e efeitos. Meu cabelo curto e picotado, negro como jabuticaba faz um contraste com a pesada porção de lápis de olho que contorna minha íris verde. Adoro vestidos verdes, pois eles combinam com meus cabelos ruivos intensos e minhas sardas discretas. Também dos brancos e amarelos, destacam minha cor negra. Adoro adornos, jóias e bijuterias, assim como os mil e um perfumes que se tornam a expressão da minha essência em carne.
Fico fascinada com meu próprio reflexo e minha beleza, por vezes me desejei, e por muitas vezes me satisfiz comigo mesma. Adoro dar-me presentes, fazer surpresas, também gosto de me ferir muitas e muitas vezes. Gosto de ouvir minha voz ao tapar os ouvidos. Fico cantando canções, ou conversando em voz alta ignorando o que a mente diz.
Gosto do meu jeito masculino, gosto de ser vista como lésbica, no entanto prefiro ser a patricinha, a garotinha mimada, aquele estereótipo de mulher (nossa, que absurdo ousei falar!). Gosto de ser mulher, nas mais variadas e complicadas, extensas e uniformes maneiras de ser. Sou a abusada, a sorridente, sou a calada, a deprimente. Aquela que encanta, aquela que atiça, sou aquela que não come massa e a que adora pizza.
No fim, e no inicio que o prossegue, tenho um jeito próprio, uma variada forma de ser que não domino, não governo nem comando. Apenas sinto e sou. Brinco dizendo que sou metamorfa, sou de lua, e vivo num quarto crescente. Mas apenas sou a dança crescente das inúmeras polaridades do meu ser. Sim, sou as fases da lua, a dor e o sangue da menstruação, sou meus filhos e minhas crias. Sou o espelho da minha mãe, não porque quis, mas porque ela idealizou isso pra mim. Sou a filhinha do papai, a garota do garanhão, a prostituta do traíra, a mulher dos sonhos de alguém, musa inspiradora, Amélia que era mulher de verdade. Sou isso e sou aquilo. Sou tudo o que todas as mulheres foram. Fomos Deusas, Pecadoras, Mães, Ombro, Útero, Loucas e a Loucura. Fomos da queda à ascensão a partida, o caminho, a jornada e a precipitação. Fomos a pedra do meio do caminho, e a força que a atirou bem longe.
Fomos o Amor, o mais profundo e derradeiro amor. Aquele que é dado de coração, aquele que nem dado é. Já nasce com donos destinados a senti-lo e corrompe-lo. Fomos o Desejo, aquele proibido que todos já sentiram e não conseguem se livrar dele. Fomos a voz do mundo, a razão pra viver e a emoção pra morrer. Fomos vida e morte. Fomos e somos mulheres.