V
Li recentemente um livro sobre ritos e crenças religiosas ao longo da história, assinado por Eliade. O livro em sua parte inicial citou várias vezes um assunto pertinente e que levanta muitas e muitas hipóteses sobre a relação a dois. Aquela dualidade de passivo e ativo, que não está ligada necessariamente com o sexo ou qual dos dois faz a penetração no parceiro.
Falo de algo mais sutil, ligado a quem “comanda” a relação a quem supre ou não a segurança do outro. Não quero abrir aqui a discussão sobre qual o sexo dominante (eu estou quase sendo redundante, mas é necessário). O que quero falar é que de uma forma de outra, aparente ou não um dos lados sempre é o que “rege” a relação. Claro que há suas exceções e há casais que conseguem equilibrar tudo. Mas desde os primórdios, numa relação a dois sempre há a Caça e o Caçador (aí que entra o livro).
Imaginem os homens da Idade da Pedra, aqueles ainda selvagens, mas já despertando sua inteligência e domínio das artes. Ele ainda depende da caça e para ele isso não é uma coisa usual e um esporte, como é hoje em dia. A caça era algo intimamente sagrado. Algo que mexia inteiramente com instintos e a sobrevivência do individuo. Caçar um ser que lhe é uma ameaça e conseguir domá-lo ou abatê-lo foi por eras o rito de passagem mais praticado em diversas tribos e culturas.
O homem enfrenta seus medos e usa de todas as suas habilidades e forças para se encontrar com um ser desconhecido, que aparentemente é perigoso, ou justamente o contrário, em que ele terá que desafiá-lo até sair como vencedor ou um morto. Difícil dizer a posição dos animais, mas deve ser uma afronta enorme.
Você está no seu lugar, de repente um bípede idiota usando uma fantasia tosca de cervo morto, com uma lança, ou seja lá o que for, vem e fica lhe provocando o tempo inteiro. Seu instinto selvagem não tem porque perder tempo, ele simplesmente vai pegar o mosquito zombeteiro sem dó e trucidá-lo, se possível.
É um fato interessante da humanidade e que marca uma fase interessante do seu contato com a natureza. E marca mais ainda o nosso subconsciente, pois se pensarmos bem, todos os dias, somos caça e caçador, nas mais diversas situações. Principalmente a amorosa.
Entramos num relacionamento com um ideal. Esperamos certa coisa, não da pessoa ou de algum estereótipo, mas das razões provindas de nossas carências. Há pessoas com carência de carinho, outras que sentem falta de ter alguém a quem acariciar. Há aqueles inseguros, há pessoas tão determinadas e certas figuras que precisam ter alguém para segurar na mão e guiar. Tudo para provocar o encaixe gerado após o conflito da “caça”.
Exemplo: Fulaninha vai sair à noite. Está se sentindo uma merda, um poço de feiúra e mal amada, no entanto reúne às amigas e faz uma transformação em si, esperando mudar aquela situação deprimente.
Cicrano está em casa de bobeira, assistindo um filme de ação, onde na clássica cena de sexo, percebe que quer transar, e talvez até, transar com alguém fixo. Ele reúne suas melhores cantadas, coloca um perfume bom e uma roupa discreta e se transforma num homem charmoso que libera feromônio por onde quer que passe.
Ambos se dirigem ao campo de batalha, ou melhor, à boate. Procuram aquele ser que mais lhe agrada e dá umas investidas, mas nada certo, nada inteiramente prazeroso. Mas de repente… O encontro dessas criaturas é marcado por algumas trocas de olhares, sorrisos palavras e um entrosamento de idéias e princípios. Logo estão trocando telefones, quando percebem que um quer algo que o outro tem a oferecer. Ou em outros casos, as línguas se encontram numa dança excitante certificando que não importa se a insegura deu o primeiro passo, ou o seguro fez seu trabalho direito, apenas que um dos dois se cedeu a algo do outro e houve uma caça.
Normalmente o sexo masculino é associado ao Caçador contemporâneo. Afinal, é ele quem dá as cantadas, ele que tem que ter atitude, ele que deve se chegar e fazer por onde ter a mulher. Mas ser mulher nessas horas não é fácil. Ser vista como um objeto é a pior coisa que existe e tradicionalmente é assim que são vistas as Caças. Meros pinos que servem pra diversão. Mas não esqueçam que o inverso acontece e com cada vez mais freqüência.
E é neste impasse que ocorre à mútua atração e a coisa “sagrada” dos tempos antigos. Algo os conecta, são duas pessoas não querendo apenas gladiar com suas cantadas, charmes e anseios. São duas pessoas por um propósito incerto, um Estranho Conhecido propósito de querer mudar uma situação com uma coisa corriqueira, querendo usar o caos, e a aparente ordem da situação para vencer uma batalha sexual.